Tuesday, November 29, 2005

Na Vida Real

“É pena na vida real não haver mulheres assim.” Esta frase foi dita por um locutor de televisão recentemente durante um programa, referindo-se à personagem de Blimunda, a heroína do romance “Memorial do Convento”. Fiquei a pensar no assunto. Será que não há mesmo na realidade pessoas tão especiais e cativantes como as que encontramos na ficção? Mas, se os personagens da ficção são feitos à imagem da realidade, são desenhados por pessoas reais (os escritores) que se baseiam nas suas vivências reais para construir os seus heróis e heroínas, então na vida real deveria haver homens e mulheres assim. Eu acredito que existem.

Todos nós somos pessoas tão fascinantes, cativantes e exasperantes como as pessoas da ficção. A diferença é que vivemos num mundo real e não nas páginas de um livro. Num livro o ambiente é controlado e o personagem está ali, nu e cru, pronto para o conhecermos. Podemos invadir os recantos mais escondidos da sua alma, podemos ver as coisas do seu ponto de vista e somos bem vindos na sua vida. Não há rejeição, não há defesas, não há subterfúgios. Vemos os personagens na sua profundidade, sem termos de nos mostrar em troca. Na vida real não temos esse ambiente controlado. Se queremos conhecer alguém e entrar na sua vida, temos de lutar por isso, correr riscos, enfrentar desilusões, contornar desvios, ultrapassar máscaras e vencer medos. E temos de nos mostrar a nós próprios em troca, correndo o risco de sermos rejeitdos. E tudo isso sem garantias de que no final aquela pessoa será o que imaginamos que é. Ninguém se abre para nós em toda a sinceridade só porque assim o desejamos. E porque o deveria fazer? Nós também não o fazemos.

Eu sei que custa. É uma batalha imensa que travamos todos os dias: erguemos o estandarte da esperança e partimos para a batalha apenas para voltarmos à noite exaustos, destroçados e feridos pela desilusão ou pela rejeição. E a cada vez que tentamos as nossas forças vão diminuindo, até ao dia em que assumimos a derrota, entregamos as armas e não voltamos a tentar. O inimigo, o desespero, venceu-nos. E é nessa altura que dizemos que “não há mulheres (ou homens) assim na vida real”.
A.C. , 18 de Janeiro de 2005

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