Wednesday, May 31, 2006

O último duelo


Aqui há tempos li um livro, cuja personagem principal, uma jornalista a cobrir o Tour de France em ciclismo, dizia a certa altura: “I love all my brave boys on bikes. They are my heros!” Essa frase ficou-me na cabeça porque é exactamente assim que eu me sinto em relação aos tenistas profissionais.

Eu gosto de desporto em geral e de várias modalidades diferentes em particular, mas para mim o ténis é especial por várias razões; é um desporto individual, de elevada exigência física, técnica e mental e que exige uma entrega total. Ao contrário dos desportos de equipa onde há interacção e entreajuda, no ténis o jogador está completamente entregue a si mesmo em campo, não podendo sequer contar com o aconselhamento do treinador. E é aí que, sozinho e em milésimos de segundo, tem de tomar decisões e agir de acordo com elas. O ténis é, além disso, um desporto que exige consistência e regularidade durante uma, duas, três ou mesmo mais horas. Dado que em cada jogada está sempre um ponto em disputa, não é possível a um jogador esconder-se uma partida inteira e efectuar uma jogada de mestre no final ou vencer por um golpe de sorte fortuito. É como se fosse um duelo, um frente a frente intenso no qual cada jogador tem de reagir no imediato às pancadas do seu adversário. Não é possível parar para pensar, ou ensaiar as jogadas na mente como em outros desportos individuais. A estratégia que se traz estudada no início do jogo pode de repente não se aplicar de todo, porque cada desafio depende também do adversário que temos à nossa frente, e da forma como ele reage em cada momento ao nosso jogo, e não apenas de nós próprios ou de jogadas ensaiadas.

No exemplo atrás, o ciclismo, é verdade que os ciclistas num Tour de France têm de percorrer milhares de quilómetros em cima de uma bicicleta durante 2 semanas, subindo e descendo montanhas que fariam tremer o mais corajoso e sujeitando-se a diferentes mudanças de temperatura num mesmo dia. É um esforço monumental, mas é um esforço que tem lugar em períodos de tempo curtos e definidos no ano. A carga maior dá-se na Primavera/Verão, mas no Outono/Inverno o ciclista recupera e treina-se para a época seguinte. Além disso, as provas principais têm lugar normalmente no mesmo continente, ainda que em países diferentes.

No ténis os jogadores actuam 47 semanas por ano, com torneios disputados semana após semana em todos os continentes. É uma vida de saltimbanco, sempre a mudar de cidade para cidade, de país para país e de um continente para o outro. Apenas para dar um exemplo, só em 2005 Rafael Nadal participou em 24 torneios e fez 11 viagens intercontinentais! Jet lag, fusos horários, comida, água, climas… tudo muda numa questão de dias. É uma vida alucinante que dificulta qualquer tipo de vida familiar, minimamente estável. Este ano Roger Federer, o nº1 mundial comentou que a passagem de ano de 2006 até que não tinha sido má; tinha-a passado já no Qatar onde iria disputar o torneio de ténis de Doha que se realiza na primeira semana do ano. No ano anterior fora pior, disse ele; passou a meia-noite dentro do avião. Isto diz tudo e é por isso que eu também repito: “I love all my brave boys (and girls) with the raquets. They are my heros!”

A.C. Odivelas, 26 Maio de 2006.