Tuesday, November 29, 2005

Crónica de Uma Estranha Tarde de Praia

Parecia ser uma tarde de praia igual às outras, quando eu e a I. nos fizémos à estrada. Calor, céu azul, o mar brilhando ao sol e… carros! Centenas, milhares deles, todos com o mesmo destino que nós.
Chegámos ao parque sem grandes percalços, esperando não demorar muito a encontrar um lugar. Eram 16h00 e normalmente não levava mais do que 15 a 20 minutos a estacionar o carro. Seguimos a estratégia do costume: uma volta rápida pelo parque e depois parar numa das ruas principais à espera de ter a sorte de que alguma das pessoas, que iam saindo da praia, tivesse o carro na nossa rua.
Passaram-se alguns minutos de espera, durante os quais seguiamos com olhos ansiosos as pessoas que se encaminhavam para os carros estacionados longe de nós. Outros, recém-chegados, passavam por nós dentro dos seus carros a escaldar à procura do lugar ansiado. A certa altura ouvimos uma discussão; não muito longe uma mulher gritava encarniçadamente com um homem e com outra mulher. “Que se passa?” perguntaram todos os curiosos, que logo olharam para a cena. O que se passava ao certo nunca chegámos a perceber, mas o que vimos é que uma das mulheres decidira que havia de estacionar o carro num lugar vago da rua onde parara e a outra mulher decidira que a primeira não havia de pôr o carro ali. Depois de mais alguma discussão a mulher apeada sentou-se no chão, no espaço vago, em cima de uma toalha, e declarou que dali não saia e a outra, enfiada dentro do carro, fez jura de também não arredar pé. Como a cena acabou não sei, mas durante todo o tempo que estivemos no parque, as duas facções desta disputa, mantiveram-se nos seus lugares, numa guerra ridícula, estéril e sem cedências. O resto da malta, olhava a cena, comentava e ria-se.
E ninguém vinha desocupar um lugar na nossa rua…
Entretanto uma carrinha, de entre as muitas que tinham já passado por nós, fez mal a manobra e raspou um bocado de tinta do pára-choques do carro da I.. Claro que esta, já farta de estar tanto tempo à espera e cheia de calor, não estava nos seus momentos de maior de paciência e saltou logo do carro furiosa. Seguiram-se vários comentários dos quais eu reproduzo aqui uma pequena amostra:
“O senhor não viu que estava muito próximo do meu carro?”
“A minha mulher achou que passava”
“ Mas não passou e tinha bastante espaço daquele lado, não era preciso vir tão perto do meu carro”
“Calma, também foi só um risquinho…”
“Um risquinho!? Mas vai custar dinheiro a reparar.”
Enfim, lá se trocaram os números de telefone e os restantes dados necessários e os ocupantes da carrinha arrancaram para pararem logo à frente, entalados numa fila de carros que já ocupava aquela rua quase toda. Para cúmulo do azar, e enquanto a I. ainda “deitava fumo” só de pensar no seu lindo carrinho riscado, os prevaricadores tiveram a sorte de o carro mesmo ao lado de onde eles estavam parados ir sair. Claro que ficaram com o lugar e nós, que já ali estávamos há meia hora, continuámos à espera mais outra meia hora.
E ninguém mais saia na nossa rua…
Aparece então um homem sozinho, carregando uma cadeira, que se encaminha para o nosso lado. Eu segui-o com os olhos ansiosamente, mas o homem não se dirigia para nenhum carro. Deambulava por entre as filas de carros, completamente esquecido do local onde deixara o seu. Andou mais de um quarto de hora nisto e eu a certa altura já me ria perante o cómico da cena.
Depois de mais esperar surge um casal jovem e, já em desespero de causa, perguntamos-lhes se tinham o carro naquela rua. Mas não, estava na seguinte. Decidimos arriscar; eu segui-os e fiquei a guardar o lugar ao pé deles, enquanto a I. foi dar a volta com o carro. Felizmente, apenas passou um carro antes de ela chegar, que eu rapidamente afastei dizendo que o lugar já estava guardado.
Nós demorámos uma hora a estacionar, mas havia quem se queixasse de já ali estar há duas!
Mas a tarde ainda não acabara…
Chegadas à praia, fomos logo para a água. Depois de uns mergulhos e de ficarmos um bocado nas toalhas a secar, fomos dar uma volta. Enquanto estavamos por ali, na beira da água, deparámos com outra cena estranha: uma mulher depositara um ramo de flores brancas na areia, quase na zona da rebentação e depois ficou ali um certo tempo, parecendo meditar, até que a certa altura limpou os olhos como se estivesse a chorar. Havia algo de irreal naquela imagem; aquela figura ali, estática, olhando o mar com um ramo de flores aos pés, enquanto que em redor as pessoas corriam, jogavam à bola e passeavam os cães.
Para acabar o dia, ainda vimos mais uma cena, desta vez caricata: um homem passeava pela areia com um detector de metais procurando afincadamente objectos perdidos. Enquanto o olhavamos, encontrou uma moeda de 50$00. Se calhar a actividade até era capaz de compensar...
No final do dia voltámos para casa com a recordação de uma estranha tarde de praia, onde apesar de tudo, não constou que alguém tivesse visto o Fox Mulder ou a Dana Scully por ali…
A.C. , Verão de 2001

Relações (Im)perfeitas

Outro dia li numa resposta a um questionário pessoal que, para o questionado, o ideal de mulher era: bela, meiga, compreensiva, honesta, leal, inteligente e com vasta cultura geral. A resposta terminava com a pergunta “será que há por aí alguma?”

A minha primeira reacção foi que a pessoa que deu aquela resposta procurava a “mulher perfeita” e que ao mesmo tempo, com certo cinismo, não acreditava que ela existisse. Confesso que me senti melindrada e pensei para comigo mesma: “bom, eu também gostava que me aparecesse um tipo belo, sensivel, carinhoso, compreensivo, inteligente, honesto e leal. Será que há por aí algum?”

Mas depois, o meu segundo pensamento foi que afinal andamos todos à procura do mesmo. Todos queremos um ideal de pessoa para partilhar as nossas vidas, alguém que nos ame incondicionalmente, que esteja sempre ao nosso lado e que nos acarinhe, apoie e compreenda. E depois? Se essa pessoa tiver também um ideal de companheiro vai esperar de nós o mesmo. E aí é que está o busílis da questão!

Nós exigimos, ansiamos, pedimos o melhor, queremos o céu, a pessoa perfeita e isso não tem nada de mal. Temos esse direito, temos o dever de sonhar, de acreditar e de ter esperança que tudo na nossa vida corra sempre bem, e devemos lutar pelo que queremos. A questão é: estamos dispostos a aceitar que os outros queiram o mesmo, a ceder de vez em quando? Porque a pessoa que escolhermos para companheiro(a) também vai ter dias em que não terá cabeça para nos ouvir, também vai estar cansado(a) e a precisar de carinho justamente quando nós estivermos de rastos depois de um dia infernal no trabalho; vai gritar connosco porque não pusémos as meias no cesto da roupa suja, vai começar uma discussão porque fomos demasiado simpáticos para o amigo(a) no jantar do dia anterior… também não vai ser perfeito(a), tal como nós não o somos.

Claro que a vida não é assim tão linear, não é só porque pensámos nisto e decidimos ser menos exigentes e mais tolerantes que tudo vai correr bem. Claro que há pessoas mentirosas, traidoras, desleais e nada nem ninguém nos vai ajudar a adivinhar se a pessoa por quem nos apaixonámos é uma “boa pessoa”, com os seus ocasionais altos e baixos, ou uma “má pessoa” que, por mais compreensivos que sejamos, nos vai sempre acabar por magoar.

Mas é preciso acreditar e continuar a procurar porque, não importa quantos sapos tenhamos de encontrar pelo caminho, o príncipe encantado (ou a Cinderela dos nossos sonhos) existe por aí algures, mesmo que o seu cavalo branco seja na realidade um vulgar carro de gama média/baixa e a sua armadura brilhante seja afinal uma humilde gabardina. Mas ele existe e eu tenho a certeza disso porque, afinal, eu existo!


A.C. , 27 de Junho de 2001

Na Vida Real

“É pena na vida real não haver mulheres assim.” Esta frase foi dita por um locutor de televisão recentemente durante um programa, referindo-se à personagem de Blimunda, a heroína do romance “Memorial do Convento”. Fiquei a pensar no assunto. Será que não há mesmo na realidade pessoas tão especiais e cativantes como as que encontramos na ficção? Mas, se os personagens da ficção são feitos à imagem da realidade, são desenhados por pessoas reais (os escritores) que se baseiam nas suas vivências reais para construir os seus heróis e heroínas, então na vida real deveria haver homens e mulheres assim. Eu acredito que existem.

Todos nós somos pessoas tão fascinantes, cativantes e exasperantes como as pessoas da ficção. A diferença é que vivemos num mundo real e não nas páginas de um livro. Num livro o ambiente é controlado e o personagem está ali, nu e cru, pronto para o conhecermos. Podemos invadir os recantos mais escondidos da sua alma, podemos ver as coisas do seu ponto de vista e somos bem vindos na sua vida. Não há rejeição, não há defesas, não há subterfúgios. Vemos os personagens na sua profundidade, sem termos de nos mostrar em troca. Na vida real não temos esse ambiente controlado. Se queremos conhecer alguém e entrar na sua vida, temos de lutar por isso, correr riscos, enfrentar desilusões, contornar desvios, ultrapassar máscaras e vencer medos. E temos de nos mostrar a nós próprios em troca, correndo o risco de sermos rejeitdos. E tudo isso sem garantias de que no final aquela pessoa será o que imaginamos que é. Ninguém se abre para nós em toda a sinceridade só porque assim o desejamos. E porque o deveria fazer? Nós também não o fazemos.

Eu sei que custa. É uma batalha imensa que travamos todos os dias: erguemos o estandarte da esperança e partimos para a batalha apenas para voltarmos à noite exaustos, destroçados e feridos pela desilusão ou pela rejeição. E a cada vez que tentamos as nossas forças vão diminuindo, até ao dia em que assumimos a derrota, entregamos as armas e não voltamos a tentar. O inimigo, o desespero, venceu-nos. E é nessa altura que dizemos que “não há mulheres (ou homens) assim na vida real”.
A.C. , 18 de Janeiro de 2005

Amor e Telemóveis

Recentemente, uma amiga minha recebeu no seu telemóvel a seguinte mensagem: “Já tenho saudades de amar… amar é bonito. Se souberes o que é o amor, sabes o que quero dizer.” Não conhecendo aquele número de telefone a minha amiga ficou intrigada mas ao mesmo tempo agradavelmente surpreendida por aquela mensagem. Porque se falava de amor.
No dia seguinte o desconhecido pediu-lhe desculpa pela mensagem enviada erradamente. Ela respondeu-lhe e teve inicio ali uma conversa que durou alguns dias e manteve pendurados da troca de mensagens, não só ela e o misterioso do outro lado da linha, mas todas as pessoas que tiveram conhecimento da história.

Numa outra situação, passada há mais tempo, uma outra mensagem veio pôr fim a um namoro que já andava tremido. Ele começou por lhe enviar a ela uma anedota mais picante, ela pensou que ele lhe estava a dar uma indirecta menos abonatória do seu papel no namoro, ele ficou ofendido por ela pensar isso dele e… terminaram.

A minha mãe dizia-me outro dia que actualmente, com as novas tecnologias, as pessoas estão a perder a capacidade de conversar, de comunicarem umas com as outras e de trocarem ideias. Limitam-se a despejar cartoons e piadas para extensas mailing lists, sem conteúdo nem nexo. Isso acontece em muitos casos e já me tem sucedido passar dias sem trocar realmente uma palavra com a pessoa do lado de lá da linha telefónica, mas, a maioria das vezes, o e-mail veio facilitar o contacto com amigos com os quais, devido às nossas vidas tão preenchidas, eu estaria provavelmente meses sem falar.
Se, na primeira história, uma mensagem veio possilitar a criação um novo relacionamento, na segunda o telemóvel apenas veio apressar o termino de uma relação que já não estava bem. Em qualquer das situações houve contacto e comunicação entre pessoas. E quanto a mim, tanto o e-mail como o telemóvel vieram tornar possivel que eu conhecesse pessoas com quem, de outra forma, nunca teria hipótese de conversar e que aprofundasse amizades que, devido à distância e aos afazeres, provavelmente nunca passariam de meros conhecimentos.

Claro que nem tudo são rosas. Há alturas em que a minha caixa de correio rebenta de cartoons e ficheiros de video, mas há outras em que, num inesperado ping-pong de mensagens, o meu dia se anima com uma gargalhada ou ganha uma súbita dimensão através de uma emoção partilhada em palavras num ecrã de computador.

A.C. , 12 de Março de 2000