Thursday, February 09, 2006

Papéis de Vida

Uma vez vi num filme um casal que discutia e em que ela acusava o marido de ser uma criança e de ter de ser ela a tomar sempre todas as decisões, ao que ele respondeu que a culpa era dela porque quando tinham decidido que papéis assumir no casal, ela escolheu ser o adulto.

Pondo de lado, a parte romanceada e simplista da situação, a resposta do personagem deste filme faz sentido. Já por diversas vezes reparei que há pessoas que assumem um papel de paternalista nas relações (sejam elas de amor, amizade ou trabalho), em que agem como “pais”, certinhos e responsáveis, perante os amantes, amigos ou colegas “infantis” e “irresponsáveis”.

Não ponho de parte que estas pessoas sejam de facto mais atentas e que os outros sejam talvez mais distraídos, mas existe nisto também uma espécie de circulo vicioso perverso em que o “responsável” não deixa escapar uma falha no “desatento”, apontando cada erro, porque isso o faz sentir-se no controle e de certo modo superior ao parceiro, e em que o outro, frustrado por ser continuamente chamado à atenção por tudo o que faz, se desmotiva e desleixa cada vez mais.

Quando se aponta este facto aos responsáveis eles normalmente respondem: “pois, mas se eu não fizer, mais ninguém faz” ou “sou eu que aguento a casa/departamento”. Apesar de ser uma queixa reveladora de cansaço e frustração, estas frases denotam também um certo orgulho, do tipo “sou indispensável”, que pode ser extremamente corrosivo numa relação.

A minha mãe, a minha actual colega de trabalho e até algumas amigas minhas apresentam traços deste tipo de personalidade. Estão constantemente atentas à mínima falha, ralham e queixam-se quando o outro faz algo errado, mas estão permanentemente à espera que ele o faça, para assim terem um papel a desempenhar: ser aquele que tudo resolve. Quando não há um erro, quando o outro desempenha bem o seu papel/tarefa, ficam surpreendidas e até mesmo desiludidas como se lhes tivessem apresentado uma iguaria que não podem depois provar.

Como se diz naquele velho chavão: numa relação a culpa nunca é só de um. Ninguém tem uma relação sozinho, por isso quando algo falha, seja no trabalho, em casa ou entre amigos, a responsabilidade é sempre de ambas as partes; dos que escolhem ser as “crianças”… e dos que escolhem ser os “adultos”.

A.C. Lisboa, 8 de Fevereiro de 2006.